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Quarta Noite

O centro do espaço amplo, acha-se instalado um banco suzumidai e à sua volta acha-se dispostos pequenos mochos. O banco reluz com brilho escuro. A um canto, um velhinho, tendo à frente uma bandeja quadrada, bebe sozinho. O petisco parece cozido nishime.

Por efeito da bebida, está bem vermelho. Além disso, todo o seu rosto está luzidio, não se vendo ruga em nenhuma parte. Só dá para saber que é uma pessoa idosa porque deixou crescida à vontade a barba branca. Embora criança, pensei:

 

“Quantos anos teria?”. Foi quando a dona de casa, que trouxera a água da torneira dos fundos num balde, perguntou, enxugando a mão com o avental:

— Quantos anos tem, vovô?

Acabando de engolir o cozido nishime que tinha na boca, respondeu ele sereno:

— Esqueci.

A mulher, em pé, ficou contemplando de lado o rosto dele, as mãos enxutas postas na faixa obi fina. O velhinho engoliu a bebida num trago com uma vasilha grande parecida com tigela e, depois, expeliu um hausto prolongado que resfolgou por entre a barba. Nisso, perguntou-lhe a mesma:

— Onde fica sua casa?

Rompeu ele o comprido alento e respondeu:

— No fundo do umbigo.

A dona de casa, ainda com as mãos postas na faixa obi fina, indagou novamente:

— Aonde vai?

Então, mais uma vez tomou ele num trago a bebida quente com uma vasilha grande parecida com tigela e, expelindo fio de hálito resfolgante como o anterior, disse:

— Vou para lá.

— Reto? — perguntou, quando o hálito expelido num resfolgo atravessou a parede corrediça de papel shôji passou por baixo do salgueiro e foi reto rumo à margem pedregosa do rio.

O velhinho saiu. Também eu saí atrás. Da sua cintura pende uma pequena cabaça. Dos ombros desce a tiracolo uma caixa quadrada na altura das axilas. Calça momoshikis amarelo-escura e veste uma camisa sem mangas da mesma cor. Só os calçados tabis são amarelos: ao que parece, feitos de couro.

Chegou ele reto até o pé de salgueiro. à sombra da árvore reencontrava-se três ou quatro crianças. Sorrindo, tirou do bolso um lenço amarel0-claro. Enrolou-o fino e comprido com um barbante e colocou-o no centro do terreno. Em seguida, desenhou um círculo ao seu redor. Por fim, tirou de dentro da caixa a tiracolo uma flauta de latão que vendedores de doces tocam.

— Já e já este lenço vira cobra. Vamos ver. Vamos ver. — repetiu várias vezes.

As crianças não tiveram os olhos do lenço. Também eu fiquei olhando.

— Vamos ver, vamos ver, está bem? — assim dizendo, começou a das voltas sobre o círculo tocando a flauta. Eu só fiquei olhando o lenço. Este, porém, não se moveu.

O velhinho tocou a flauta estridentemente. E depois deu várias voltas sobre o círculo. Rodou como se andasse na ponta dos pés, como se andasse na ponta dos pés, como se andasse furtivamente, como se temesse incomodar o lenço. Ora pareceu temer, ora pareceu divertir-se.

Passado algum tempo, parou de tocar a flauta abruptamente. Em seguida, abrindo a caixa a tiracolo, pinçou com dois dedos o pescoço do lenço enrolado e lançou-o displicentemente para dentro.

— Deixando assim vira cobra dentro da caixa. Logo mostrarei, logo mostrarei.

Com tais palavras, pôs-se a caminhar reto. Passando debaixo do salgueiro, foi descendo reto pelo estreito caminho. Como desejava a ver cobra, fui seguindo-o pelo caminho estreito.

Falando de quando em quando “já e já vira cobra” ou “vira cobra”, continuou caminhando. Finalmente, acabou por alcançar a margem do rio, cantando:

 

“Já e já vira cobra,

Claro que vira, soa a flauta”

 

Como não havia ponte nem barco, pensei que fosse descansar nesse local e mostrar a cobra que estava na caixa, mas ele, entrementes, começou a entrar no rio agitando rumorosamente a água com o movimento das pernas. No começo, a água chegava à altura dos joelhos, mas, gradativamente, a imersão avançou dos quadris aos peitos fazendo-os sumirem de vista mesmo assim, foi andando reto até o fim, a cantar:

 

“Fica fundo, vira noite,

Vira reto”

 

E depois, barba, rosto, cabeça, capuz sumiram completamente da vista.

Eu pensei que mostraria a cobra quando atingisse a margem oposta. Saí que, postado em pé onde o caniço sibila ao vento, fiquei esperando sozinho horas e horas. Mas ele, por mais que o esperasse, não emergiu.

 

(SOSEKI, 1996, p. 31-34)

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