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Sexta Noite

Como todo o mundo passasse a comentar que Unkei estava esculpindo Niô no pórtico do templo Gokokuji, fui até lá a passeio e vi que, antes de mim, muitas pessoas, que já se haviam aglomerado no local, palavreavam incansavelmente.

Cerca de nove a dez metros do átrio existe um pinheiro vermelho japonês, cujo tronco, encobrindo de viés o teto do pórtico, estende-se crescido até atingir o alto céu. O verde da planta e a portada pintada de carmesim trocam suas cores entre si num lindo espetáculo. Além disso, a árvore coloca-se numa posição boa; cresce transversalmente de modo a não agredir a visão do canto esquerdo do pórtico e, e quanto mais sobre, expande-se largo, salientando-se na altura do telhado. A visão oferecida é, ao seu jeito, de coisa antiga. Talvez pertencesse ao Período Kamakura (1185-1333).

Só que os espectadores são, como eu, pessoas da Era Meiji (1868-1912). E dentre elas, condutores de carruagens constituem a maioria. Certamente estão passando o tempo à espera de passageiros.

— Como é grande! — Comentam.

— Deve ser muito mais trabalhoso do que esculpir figura humana! — Dizem também.

Nisso um homem disse: — Olha só! É Niô! Não sabia que ainda hoje se esculpia Niô. Essa é boa! E eu que pensava que todo Niô era coisa velha!

— Parece forte, não? Dizem que, desde antigamente, ninguém é mais forte do que Niô. Dizem que é mais forte que o príncipe Yamato Takeru— Foi a fala de outro homem que, de quimono com borda traseira arregaçada, estava sem chapéu. Parece uma pessoa de pouquíssima instrução.

Completamente indiferente aos comentários dos espectadores, Unkei maneja o cinzel e o martelo, sem sequer se voltar para a direção deles. Trepado no alto, vai esculpindo com afinco a região do rosto de Niô.

Tem sobre a cabeça uma espécie de chapeuzinho eboshi e um a vestimenta suhô, ou qualquer coisa assim, com suas mangas entrelaçadas às costas. Isso lhe dá uma aparência bem antiquada, que não combina nem um pouco com a dos espectadores tagarelas. Eu não entendi o porquê de Unkei estar vivo nos dias atuais. Estava mesmo estranhando o fato mas permaneci olhando.

Ele, entretanto, como quem não sente nada estranho ou esquisito, continuou esculpindo com afinco. Um moço, que o contemplava de rosto erguido, voltou-se para mim para fazer elogios:

— É admirável como trabalha! Para ele, é como se nem existíssemos! A postura é de quem acha que, no mundo, só existem dois heróis: o Niô e ele! É de tirar o chapéu!

Tendo gostado do comentário, virei um pouco meu rosto e o encarei, quando continuou a jeito:

— Veja como maneja o cinzel e o martelo. É mestria de quem atingiu o estremo da liberdade de criação.

Nesse momento, Unkei esculpiu lateralmente a sobrancelha nu altura de três centímetros e, em seguida, endireitando num rápido lance a lâmina do cinzel, golpeou-o de cima com o martelo. Quando vi que, raspada num talhe a madeira dura, um grosso caco voou ao som do martelo, surgiu repentinamente, à superfície, a parte lateral do nariz irado, de fossas bem abertas. Tal modo de fazer corte com a lâmina era realmente desabusado e dava a impressão de que não encerrava nenhuma irresolução.

— Admira-me que, usando o cinzel daquele jeito com tanta liberdade, consiga fazer sobrancelhas e nariz que quer— Assim falei como um solilóquio, impressionado demais que estava.

Foi quando o moço, que havia feito observações anteriormente, comentou:

— Qual o quê! Aquilo não é fazer sobrancelhas e nariz com o cinzel. É desencavar com o auxílio desse instrumento e do martelo aquelas sobrancelhas e aquele nariz encerrados dentro da madeira. É como retirar pedra de dentro da terra: não pode haver erro de nenhum jeito.

Pela primeira vez, nesse momento, comecei a perceber que a escultura era isso. Nesse caso, é o que me pus a imaginar, ela estava ao alcance de qualquer um. Daí que, tomado do desejo de eu mesmo tentar esculpir Niô, deixei de assistir ao trabalho de Unkei e depressa voltei para minha casa.

 

Retirei cinzel e martelo da caixa de ferramentas e me dirigi ao quintal; neste, estava empilhado um monte de toras, de tamanhos adequados, do carvalho arrancado pela tempestade de dias atrás e que havia mandado um lenhador serrar para usar como lenhas.

Escolhi a maior de todas e me pus a entalhar vivamente, mas, por azar, não dei com o Niô. Na tora seguinte também fui infeliz, não o tendo encontrado. Da mesma forma, não estava presente na terceira. Entalhei todas as lenhas empilhadas uma a uma, e contudo, nenhuma tinha oculto o Niô. Cheguei então ao entendimento de que este não poderia estar encerrado em uma madeira da Era Meiji. E também me dei conta mais ou menos do porquê de Unkei estar vivo ainda nos dias atuais

 

(SOSEKI, 1996, p. 43-46)

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